NOTÍCIA

Filosofia da ciência da religião – José Eduardo Porcher.

Meu nome é José Eduardo Porcher e sou membro da ABFR. Em 2020, com o apoio da ABFR, submeti um pedido de financiamento à John Templeton Foundation para dar início a um projeto de pesquisa que, em 2021, foi aceito e contemplado com um aporte de US$124,075. O projeto se intitulou Expandindo a Filosofia da Religião pelo Envolvimento com as Tradições Afro-Brasileiras. Este teve sua conclusão em 2024 e um dos seus resultados não antecipados foi a edição de um número especial da revista Religion, agora publicado, sobre um tema que me parece precisar urgentemente de reflexão e coesão disciplinar: a filosofia da ciência da religião. O que segue é uma tradução do artigo introdutório ao número (Porcher, 2024b).

 

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Esta é a primeira coletânea de artigos dedicada a refletir sobre o que “filosofia da ciência da religião” pode ou deve significar. Os artigos desta edição compartilham o interesse em contribuir para o possível surgimento de uma subdisciplina coerente e coesa que considere o estudo acadêmico da religião como um assunto digno por si só. A ideia desta edição temática surgiu de uma preocupação metateórica que começou com uma tentativa de filosofar sobre as tradições religiosas afro-brasileiras, que têm recebido atenção no estudo da religião, mas não na filosofia da religião (Porcher 2024a, Porcher no prelo). Na proposta que enviei aos editores da Religion e, posteriormente, na chamada de trabalhos, escrevi:

 

“Esta edição temática da revista Religion reúne estudiosos da religião para limpar o terreno conceitual de uma subdisciplina emergente: a filosofia da ciência da religião (the philosophy of religious studies). As perguntas orientadoras incluem: O que é a filosofia da ciência da religião? Qual é o seu lugar? Quais recursos podem ser úteis para desenvolvê-la? Como se faz isso? Qual é a relação entre a filosofia e a ciência da religião? Essas questões serão abordadas à luz de uma variedade de estruturas conceituais e pressupostos básicos. A ideia central desta edição temática é que o trabalho filosófico pode contribuir para a autorreflexão dentro e sobre o estudo da religião.”

 

Na minha opinião, o fato de essas questões (muito fundamentais e programáticas) ainda serem pouco discutidas significa que a filosofia da ciência da religião está longe de ser uma subdisciplina bem estabelecida. Nessa intuição, eu estava seguindo Kevin Schilbrack, cujo trabalho foi fundamental para levantar muitas dessas questões para mim e, como ficará claro para os leitores, para muitos, se não para a maioria dos acadêmicos que estão refletindo sobre esses assuntos. Em seu livro pioneiro Philosophy and the Study of Religions: A Manifesto, ele pergunta: “Que disciplina proporciona uma reflexão crítica sobre as questões metafísicas, epistemológicas e axiológicas em ação [na prática do estudo acadêmico das religiões]? No momento, a resposta é: nenhuma. … Poderíamos chamar esse conjunto de perguntas de: filosofia da ciência da religião [philosophy of religious studies]” (Schilbrack 2014, 21).

No seu artigo, Mark Gardiner e Steven Engler sugerem que a filosofia da ciência da religião pode estar escondida em plena vista (Gardiner e Engler, 2024). Enquanto Schilbrack fala sobre ela como uma forma de fazer filosofia da religião (Fig. 1) – como seu “modo reflexivo”, trabalhando com os pressupostos que operam no estudo acadêmico da religião – e uma subdisciplina da filosofia da religião, Gardiner e Engler caracterizam a filosofia da ciência da religião como uma parte metateórica e metadisciplinar da ciência da religião. Isso significa que não se trata de um ramo da filosofia da religião nem de uma disciplina abrangente que julga a ciência da religião. Em seu esforço para situá-la, eles distinguem a filosofia da ciência da religião da filosofia da religião em termos de assunto central: enquanto a religião pode ser o assunto da filosofia da religião (o que é discutível, pelo menos como é praticado atualmente), o objeto da filosofia da ciência da religião é a própria ciência da religião. Gardiner e Engler, portanto, situam a ciência da religião e a filosofia da religião como teoria e a filosofia da ciência da religião como metateoria. Não se pergunta o que é religião, mas sim como os estudiosos da religião a conceberam, submetendo essas concepções à investigação crítica.

Como Gardiner e Engler nos lembram, disciplinas com nomes diferentes podem naturalmente compartilhar interesses, métodos ou objetivos. Embora não neguem que a filosofia da ciência da religião possa se sobrepor, até certo ponto, à filosofia da religião, eles argumentam que há uma vantagem pragmática em presumir que ela compartilha conceitos, teorias e métodos com grande parte do trabalho realizado nos estudos religiosos – e, afinal, as identidades disciplinares servem a fins heurísticos e pragmáticos. Como um rótulo para práticas acadêmicas no âmbito metadisciplinar da ciência da religião, a filosofia dos estudos religiosos deve, portanto, concentrar-se em como os acadêmicos usam conceitos, interpretam perspectivas e justificam metodologias. À luz disso, faz sentido o fato de Gardiner e Engler apontarem que ela não é nova e sempre fez parte da ciência da religião (Fig. 2) – grande parte dela talvez sob o disfarce de “método e teoria”. Mas, em contraste com muitos que a praticam, eles argumentam firmemente que, ao reconhecer que todos os estudos acadêmicos dependem de conceitos e métodos contestáveis, essa investigação é inerentemente filosófica, mesmo que essa pesquisa filosófica crucial possa e deva ser conduzida por acadêmicos de diversas disciplinas, não apenas dentro dos departamentos de filosofia, mas em muitos locais das ciências humanas, sociais e naturais.

Satoko Fujiwara concorda com Gardiner e Engler que a ideia de filosofia da ciência da religião não é nova e encontra um precedente histórico na academia japonesa (Fujiwara 2024). Noriyoshi Tamaru (1987[1977]) usou esse termo para descrever os aspectos metateóricos da ciência da religião, uma crítica metodológica interna, distinguindo-a da filosofia da religião como um compromisso externo com valores, muitas vezes expressos como uma visão da humanidade. Seguindo a distinção de Tamaru, Fujiwara, assim como Gardiner e Engler, postula que a filosofia da ciência da religião, entendida como análise conceitual, pode ser aplicada em todos os níveis de investigação, das observações à ontologia, para avaliar a consistência, a coerência e a clareza de um estudo. Por outro lado, ela argumenta que a filosofia da religião se concentra no nível da ontologia, avaliando o mérito das suposições ontológicas (normalmente, mas não exclusivamente, visões da humanidade), não necessariamente por meio de dados empíricos.

Fujiwara aplica tanto a filosofia da ciência da religião quanto a filosofia da religião, conforme articuladas por Tamaru, às obras do estudioso empírico da religião Jonathan Z. Smith (1982). Fujiwara argumenta que Smith pode ter sido um essencialista humano com um tom humanitário, apesar de não ser um essencialista religioso. Essa interpretação do trabalho de Smith é enquadrada como um exemplo de filosofia da religião no sentido restrito definido por Tamaru. A perspectiva humanista de Smith, argumenta Fujiwara, é evidente em seu foco nos seres humanos como seres racionais que criam mitos e rituais para reconciliar incongruências. Essa interpretação contrasta com a postura anti-humanista que emergiu do estruturalismo de Lévi-Strauss. Para reconciliar essa aparente contradição, Fujiwara se aprofunda na compreensão sutil de Smith sobre “história”, demonstrando como ele integrou perfeitamente a análise histórica com métodos morfológicos. Essa análise, por sua vez, exemplifica a filosofia da ciência da religião conforme definida por Tamaru. Ao examinar a abordagem multifacetada de Smith em relação à história, Fujiwara acaba revelando que suas opiniões sobre o estruturalismo e o historicismo não eram necessariamente incompatíveis.

Leah Kalmanson também se baseia no pensamento do Leste Asiático em sua tentativa de desambiguar os termos “filosofia”, “religião”, “filosofia da religião” e “filosofia da ciência da religião” (Kalmanson 2024). Kalmanson nos lembra que, como “filosofia” e “religião” são termos específicos da história intelectual europeia (Campany 2003; Josephson 2012), tanto a “filosofia da religião” quanto a “filosofia da ciência da religião” devem ser reconhecidas como conceitos eurocêntricos. A esse respeito, Kalmanson argumenta que essas categorias não seriam úteis para a compreensão da história intelectual do Leste Asiático e que uma “filosofia da ciência da religião” seria, portanto, sem sentido para os intelectuais do Leste Asiático antes do contato com o discurso europeu (diferentemente de Tamaru, por exemplo). No entanto, ela considera valioso examinar os pontos de incomensurabilidade, uma vez que o esforço para imaginar tal disciplina pode nos direcionar a questões mais profundas sobre nossas identidades como acadêmicos, indivíduos e praticantes de vários caminhos filosóficos, religiosos e espirituais. Kalmanson faz isso a partir da perspectiva de discursos formativos na história intelectual chinesa, pois eles destacam um aspecto facilmente negligenciado da construção “filosofia da ciência da religião” que talvez não fosse aparente sem recorrer às categorias do Leste Asiático – a saber, o próprio termo “estudos” (studies em “philosophy of religious studies”).

Kalmanson explica que, na história intelectual chinesa, “estudos” abrange uma gama mais ampla de práticas acadêmicas do que no Ocidente, muitas vezes funcionando como metodologias de pesquisa e exercícios espirituais (Kalmanson 2023). Por exemplo, a tradição do rujia 儒家 (confucionismo) poderia ser interpretada simplesmente como “erudição”, abrangendo diversos campos, desde a arte de governar até a astronomia, filologia e filosofia, unificados por uma abordagem que considera o estudo e o aprendizado como exercícios espirituais tanto para a excelência acadêmica quanto para o cultivo pessoal. Esse conceito de “estudos” é instigante para os acadêmicos ocidentais contemporâneos, pois perdemos as dimensões práticas e espirituais dos exercícios filosóficos (Hadot 1995). Embora o autocultivo e a iluminação espiritual ainda possam estar de alguma forma associados ao discurso filosófico, os programas acadêmicos atuais raramente oferecem o treinamento espiritual integrado que já foi a marca registrada da educação filosófica. Embora a filosofia acadêmica geralmente priorize a análise e a avaliação das afirmações de verdade, a dimensão ativa de “investigar as coisas” e “ampliar o conhecimento” no ruísmo sugere uma abordagem mais dinâmica e criativa. Kalmanson argumenta que esse desalinhamento desafia a compreensão convencional das “alegações de verdade” e exige que se repense a natureza e o propósito da filosofia, especialmente em relação à ciência da religião.

Mikel Burley não tenta situar a filosofia da ciência da religião como um todo, mas apresenta uma maneira pela qual uma forma dela pode ser entendida (Burley 2024). Assim como Gardiner e Engler, Burley defende uma visão não hierárquica da filosofia da ciência da religião, que não coloca a filosofia em uma posição privilegiada, a partir da qual ela olha para baixo e fiscaliza a ciência da religião, julgando se seus métodos, conceitos e suposições são legítimos. Burley promove o que ele chama de uma filosofia criticamente recíproca da ciência da religião para promover uma troca mutuamente benéfica entre as metodologias filosóficas e outras usadas no estudo da religião. Como Schilbrack, ele defende um estilo de filosofia da religião que se envolva ativamente e aprenda com outras disciplinas no estudo da religião para refinar nossos métodos de compreensão das práticas, crenças e formas de vida religiosas. Embora Burley reconheça que isso possa ser visto como uma investigação de segunda ordem que apóia o objetivo principal de compreender a religião, ele rejeita uma divisão rígida entre esses níveis. Assim, ele diverge de Gardiner e Engler quando eles se baseiam nessa distinção para apoiar sua alegação de que a filosofia dos estudos religiosos é o estudo da ciência da religião e não o estudo da religião. Burley argumenta que qualquer exame minucioso de teorias ou definições de religião deve, em última análise, contribuir para nossa compreensão da própria religião, permitindo assim um certo grau de transitividade.

Avaliando criticamente as propostas metodológicas de Schilbrack e Timothy Knepper (2013) para uma filosofia da religião que inclua o estudo filosófico da ciência da religião, Burley apresenta sua própria metodologia, que ele denomina descrição crítica, como um paradigma para a filosofia da ciência da religião que visa evitar o foco normativo na fundamentação religiosa que Schilbrack e Knepper consideram crucial (Burley 2020). Sua metodologia, portanto, distingue-se daquelas que definem o papel da filosofia como “sustentando” (underpinning) ou “abrangendo” (overarching) os procedimentos de outras abordagens e disciplinas. A descrição crítica serve ao propósito de expor suposições questionáveis ou generalizações exageradas, sejam as próprias ou as de outros envolvidos em qualquer campo do esforço humano. Especificamente no que diz respeito ao estudo da religião, a reciprocidade ocorre quando, por um lado, o material de fora da filosofia enriquece a investigação filosófica, promovendo o exame crítico das múltiplas dimensões da religião e expondo as deficiências das teorias filosóficas existentes sobre assuntos religiosos; e, por outro lado, o foco da filosofia na precisão conceitual aprimora a análise do material descritivo.

Observando que o termo “crítica” se tornou onipresente na ciência da religião, em sua contribuição ao número especial, Kevin Schilbrack distingue e explora cinco sentidos de crítica, dando um exemplo de uma forma de fazer filosofia da ciência da religião (Schilbrack 2024). Ele observa que cada nova forma de crítica surgiu em resposta a falhas percebidas nas anteriores. Os pensadores do Iluminismo usaram o termo “crítica” quando procuraram banir do discurso público os apelos à autoridade, especialmente à autoridade sobrenatural (por exemplo, Kant 1998 [1781]). Kant inventou um novo sentido para o termo ao reinterpretar o empirismo do Iluminismo como realismo ingênuo, e os fenomenologistas também passaram a usar sua distinção fenômeno/númeno para resistir ao reducionismo do Iluminismo. A crítica emancipatória, embora devedora de Kant, divergiu ao enfatizar a construção social da realidade, levando a tensões com aqueles que defendiam uma ciência empírica da religião (Horkheimer 1982[1937]). A crítica reflexiva, que se concentra na história política e no uso da “religião”, entra em conflito com as abordagens emancipatórias e iluministas, especialmente com relação ao potencial eurocentrismo do conceito (McCutcheon, 2001). Por fim, os estudiosos pós-críticos incorporam a crítica em um projeto maior, pois desafiam a negatividade inerente à hermenêutica da suspeita (Felski 2015).

Embora uma solução pacífica para esses conflitos possa parecer improvável, Schilbrack propõe que todos os cinco sentidos da crítica possam ser integrados em um único campo acadêmico coerente, argumentando que essa abordagem unificada seria ideal para o estudo acadêmico da religião. A chave para essa síntese está em reconhecer os objetivos de cada forma de crítica sem necessariamente descartar o que os proponentes de uma delas procuram excluir. Para isso, Schilbrack vê os quatro primeiros sentidos da crítica como complementares, e não contraditórios. As abordagens iluminista, kantiana, emancipatória e reflexiva não são apenas usos díspares do termo, mas estão conectadas como os galhos de uma árvore. O Iluminismo insiste no julgamento independente, o pensamento kantiano enfatiza a importância de compreender as condições para o conhecimento, a abordagem emancipatória reconhece que essas condições variam de acordo com o contexto social de cada um e a abordagem reflexiva estimula a reflexão sobre os próprios conceitos usados na investigação. Quanto aos pensadores pós-críticos, Schilbrack os interpreta como não buscando eliminar totalmente a crítica, mas sim complementá-la com abordagens reparadoras, afirmativas ou curativas com sua própria criticidade inerente (Sedgwick, 2003).

Andrew Dole parte da ideia de que, se a filosofia da ciência da religião abrange a reflexão filosófica sobre como os acadêmicos abordaram seu trabalho, ela naturalmente abre uma avenida para conectar duas vertentes de pensamento tradicionalmente separadas em relação à crença religiosa (Dole 2024). Embora o estudo da religião tenha herdado de seus antecedentes uma inclinação para ver as religiões principalmente como sistemas de crenças e tenha trabalhado para desenvolver alternativas a essa visão, os filósofos mantiveram simultaneamente um interesse de longa data em avaliar as crenças religiosas, explorar suas características e situá-las dentro de estruturas mais amplas que abrangem tanto as crenças quanto outros estados mentais não-doxásticos.

Exemplificando uma abordagem criticamente recíproca à filosofia da ciência da religião no sentido de Burley, Dole propõe uma nova abordagem com respeito às crenças religiosas. Ele define uma crença religiosa como uma crença sujeita a uma norma específica em um grupo religioso, ou seja, a norma de que os membros do grupo devem manter essa crença. Assim, as crenças religiosas são objetos de práticas sociais organizadas em torno da norma de que devem ser mantidas. Essa mudança de foco, da crença individual para as práticas sociais, esclarece como a dinâmica social molda a identidade e o comportamento religiosos (cf. Bush, 2014). Dole aborda o conceito errôneo de que as religiões são apenas coleções de crenças e contorna o desafio de determinar quais crenças os indivíduos têm ao enfatizar as práticas sociais voltadas para a crença e situar o papel da crença na vida religiosa. Embora sua perspectiva esteja alinhada com a teoria da sinalização (Henrich, 2009), revelando como essas práticas sinalizam a participação e o compromisso do grupo, ela elucida o surgimento e a persistência das crenças religiosas dentro dos grupos. Em essência, Dole argumenta que uma crença religiosa é uma crença sujeita a uma norma específica em um grupo religioso, ou seja, a expectativa de que os membros do grupo mantenham essa crença.

Cada um à sua maneira, os seis artigos desta edição temática pretendem aplicar a reflexão filosófica sobre o estudo da religião com o objetivo de melhorar esse empreendimento, aplicando, assim, a filosofia da ciência da religião à melhoria da ciência da religião. Dadas as visões conflitantes sobre onde situar a filosofia da ciência da religião, pode-se questionar a viabilidade do empreendimento. Se os poucos acadêmicos que estão falando sobre o assunto não conseguem concordar com algo tão básico, será que a filosofia da ciência da religião tem futuro? No entanto, as disciplinas acadêmicas não são categorias fixas, mas sim construções acadêmicas, e a natureza da própria filosofia é o tema de discussões intermináveis – e, em minha opinião, algumas das mais estimulantes – dentro da filosofia acadêmica (Overgaard, Gilbert e Burwood 2013). O debate sobre como situar a filosofia da ciência da religião reflete a natureza dinâmica e evolutiva dos campos acadêmicos, aos quais o estudo da religião não está isento. Essas perspectivas diversas, em vez de enfraquecer o campo, contribuem para sua riqueza e potencial de crescimento. Assim, a filosofia da ciência da religião, conforme representada neste número temático, está levando o estudo da religião para além do status quo ao promover a reflexão crítica e o refinamento de seu escopo e métodos. Esse processo de autorreflexão e diálogo é essencial para o desenvolvimento e o amadurecimento de qualquer campo acadêmico. As diferentes abordagens apresentadas nesta edição mostram que a filosofia da ciência da religião inclui vários projetos legítimos.

Depois de examinar os artigos aceitos para publicação nesta edição, posso acrescentar as seguintes perguntas àquelas que previ na chamada de trabalhos: Na expressão “filosofia da ciência da religião”, o que significam “filosofia” e “ciência da religião”? E que tipo de relação “da” implica? O “da” em “filosofia da ciência da religião” instancia a mesma relação que o “da” em “filosofia da física”, por exemplo? Qual é a relação entre a filosofia da ciência da religião e a filosofia da religião? Qual é seu objeto de estudo: a religião ou a ciência da religião? A filosofia da ciência da religião é uma parte da ciência da religião? Que tipo de avaliação normativa deve ocorrer na filosofia da ciência da religião, se é que precisa ocorrer? Além do esclarecimento possibilitado pelo levantamento dessas questões, as respostas oferecidas pelos autores dos artigos desta edição temática sugerem uma maneira de situar a filosofia da ciência da religião que, espero, aproveite os pontos fortes das duas principais visões opostas e, ao mesmo tempo, aproxime a filosofia da religião e o estudo acadêmico da religião (Fig. 3).

Proponho que a filosofia da ciência da religião pode ser uma subdisciplina ampla o suficiente para abranger tanto a abordagem de Schilbrack e Burley como uma forma de fazer filosofia da religião quanto a abordagem de Gardiner e Engler como uma investigação metateórica das concepções de religião dos acadêmicos, sujeita à investigação crítica. Isso ocorre porque as atividades que eles descrevem frequentemente se sobrepõem: o tipo de filosofia da religião e de metateoria que está sendo defendido pertence, de fato, à parte da ciência da religião que é a filosofia. Em sua contribuição para esta edição, Schilbrack sugere que o modelo mais adequado para a filosofia da ciência da religião, entre as várias subdisciplinas da “filosofia de”, é a mais estabelecida filosofia das ciências sociais. Essa analogia é adequada não apenas porque ambas as disciplinas examinam as pressuposições subjacentes em seus respectivos campos, mas também porque ambas envolvem o exame minucioso das relações entre crença e prática, significado e cultura, história e tradição, ou formas sociais e agência individual. Nesse sentido, acredito que o artigo de Dole pode servir como um exemplo prototípico da interseção entre a filosofia da religião e a ciência da religião que merece o nome de filosofia da ciência da religião.

Embora, em geral, eu tristemente concorde com o diagnóstico de Ab de Jong (2024) de que a filosofia da religião perdeu contato com a ciência da religião, enquanto grande parte da ciência da religião perdeu contato com a filosofia, o tipo de reflexão exemplificado nesta edição temática me deixa otimista de que o trabalho filosófico pode desempenhar um papel cada vez mais integral no estudo acadêmico da religião. Fazemos parte de um grupo de acadêmicos que está tentando mudar a situação quando se trata de outro ponto importante mencionado por de Jong, a saber, que “precisamos encontrar maneiras de reconectar os campos da filosofia da religião e do estudo da religião para que ambos sobrevivam” (de Jong, 2024, p. 219). Acredito que a filosofia da ciência da religião pode fazer exatamente isso ao contribuir com uma dimensão focada de reflexividade para o estudo da religião, empregando ferramentas analíticas selecionadas da filosofia, ao mesmo tempo em que mantém firmemente o foco na natureza empírica do campo à luz de suas próprias autopercepções (frequentemente contestadas).

 

Referências

 

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